O Sabonete que tinha afefofobia

O Sabonete de leite de cabra vinha num pack de 4. Os outros 3 eram a sua família. Estavam numa prateleira de supermercado. Um a um, a família foi desaparecendo, comprados por humanos que gostam de adquirir sabonetes avulso e não aos packs. Era uma honra ser-se levado a troco de dinheiro. Podiam ajudar os humanos nas suas variadas necessidades higiénicas. Mas o Sabonete era diferente. Ele tinha afefofobia, ou seja, tinha medo de ser tocado. Mesmo tendo o plástico entre a sua “pele” e o toque de um humano, o Sabonete ficava em pânico quando era pegado. Foi-se despedindo de toda a sua família e, como tinha medo de ser comprado, escondia-se atrás dos outros pain de toilette. Mesmo quando já não havia nenhum da sua raça, ele tentava camuflar-se atrás de outros de sabor diferente. Até que um dia, uma rapariga persistente, lá encontrou o último sabonete de leite de cabra e era o nosso Sabonete.

O nome dele era pânico enquanto era levado para o tapete rolante da caixa. Foi pegado pela “dona” e agora era agarrado pelo operador de caixa que o virava de todos os sentidos para conseguir chegar ao código de barras. Foi colocado no saco e começou a sentir o andamento da “dona” enquanto ela ia a pé para casa. Num ato de coragem, foi trepando pelos pensos higiénicos, shampoo, cebolas, e atirou-se para o chão imundo da rua. Foi pegado e colocado de volta, já com uma ponta amolgada.

Chegado a casa, foi guardado num armário onde viviam temporariamente outros sabonetes, pasta dos dentes, escovas de dentes… Estavam todos muito entusiasmados com a possibilidade de virem a ser utilizados. Para eles, o sacrifício era para um bem maior: a limpeza do seu “dono”.

A única esperança do Sabonete era virar “sabonete de cheiro”. Vestiam-lhe uma roupa ridícula de renda com um laçarote e ficava dentro de uma gaveta cheia de roupa. Ao menos mais ninguém o tocaria. Mas depois veio-lhe ao pensamento: as traças da roupa. Porém, avaliando os prós e contras, preferia ainda a vida de “sabonete de cheiro”. Ficou desesperado e um pouco incrédulo quando soube que a sua “dona” usava naftalina, afinal ela ainda tinha 30 anos. Ia mesmo ser usado, até só ser uma reles lasca que ninguém aproveita e que se acaba por deitar na sanita. “Triste destino, mas muito nobre!” - como afirmavam os sabonetes do tempo da Pasta Medicinal Couto.

Uma semana depois, chegou o dia. A “dona” tirou-o da caixa. Com todas as suas fracas forças tentou saltar-lhe da mão, mas não conseguiu. Estava desesperado, a transpirar, quase que desmaiou. Pensou naqueles pobres sabonetes que por vezes eram comidos por crianças humanas ou por animais de estimação. Ele não queria morrer assim e nem no esgoto. Fechou os olhos à espera de sentir o frio da saboneteira. Sentiu uma coisa fofinha. Tinha sido enrolado num tecido. Não via nada à sua frente, estava completamente às escuras. Ia servir de almofada de agulhas e alfinetes. O sabonete lubrifica um pouco os instrumentos de costura, facilitando o seu uso.

Concluíndo, o nosso Sabonete virou meio que um boneco de voodoo, mas ao menos iria durar uma vida. Para ele era preferível viver muito tempo às escuras e ser, por vezes, espicaçado, do que viver pouco e ser intensamente desgastado.

Era um sabonete que não queria sair da sua zona de conforto.