O desafio da escova

A Colgate era uma escova de dentes normal. Cabo não muito ergonómico, cerdas todas do mesmo tamanho e da mesma cor, sem limpa língua... A sua dona gostava de lavar os dentes com a Colgate, mas certo dia chega a casa com uma escova elétrica chamada Oral-B. Tinha todas as qualidades que faltavam a Colgate e ainda rodava sozinha. Tirada da caixa, a ilustre escova foi colocada ao lado da Colgate. Quando a dona virou costas, Oral-B começou a fazer bullying à escova tradicional.

- Não admira a dona ter ido tantas vezes ao dentista este ano. Tu nem metade das bactérias consegues tirar. E sabias que muitos destes organismos unicelulares estão na língua?

Foi humilhação atrás de humilhação. Colgate nem sabia porque é que ainda estava ali, pousada no porta escovas. Certo dia a Oral-B propôs um desafio à Colgate.

- Amanhã de manhã a dona vai comer aqueles biscoitos que ficam totalmente agarrados aos dentes. Eu demoro 5 minutos a tirar aquela porcaria toda. E tu? Só cócegas nas bochechas de certeza. Mas, vou dar-te a oportunidade de veres o que consegues fazer. Vou-me esconder e a dona não vai ter outra alternativa senão usar-te.

Assim foi, a dona chegou ao lavatório com os dentes impregnados de cimento de aveia e, sem a Oral-B por perto, pegou na Colgate. É claro que ela não estava a ser suficientemente rápida a tirar aquele segundo esmalte castanho. Logo, a dona foi procurar a Oral-B. Pegou nela e aquilo é que era uma maravilha com as suas rotações que arrancam até restos de rebuçados de caramelo. Mas, passados apenas uns segundos, a escova elétrica pára. A dona não tem pilhas em casa e acaba por continuar a lavagem com a Colgate que até acaba por fazer um bom trabalho. A dona repara também que a escova tradicional é mais macia e não lhe fere as gengivas. Tudo muito bonito até que se passaram os 3 meses recomendados pelo dentista e a Colgate foi trocada por outra Colgate.

O Candidato a Escritor

João já estava há 2h no Netempregos quando, finalmente, vê um anúncio que lhe interessa. “Vaga para escritor júnior” para uma empresa chamada “Anónimo”. Olha para os requisitos, mas eram os do costume - “Procuro pessoa responsável, pontual (...)”. Como já estava sem ganhar nenhum há tempo demais, responde ao anúncio. Passados 5 minutos recebe um telefonema. Era o empregador anónimo a querer marcar uma entrevista para dali a 3h. João almoça, veste-se (umas calças azuis de sarja, uma camisa branca com um blazer azul e nos pés uns brogues castanhos já com falta de graxa) e lá vai. Perde-se um pouco mesmo utilizando o Google Maps, mas chega à morada certa. Toca à campainha, a porta abre-se e sobe as escadas. Percebe que deve ser uma empresa pequena, pois o prédio é residencial. Bate à porta e abre-lha um senhor já nos seus 70 anos de pijama e robe vestidos.

- Entre, sente-se.

Sentam-se cada um numa poltrona de pele, já fora de moda, que chia cada vez que um centímetro de corpo se mexe. Há um perfume de naftalina no ar.

- Então é assim, o que eu pretendo é que o senhor João escreva a minha biografia.

- E de que tipo de histórias estamos a falar?

- Bem, eu era um moço danado, se é que me entende. - o velho pisca o olho a João - Queria que escrevesse sobre as minhas aventuras amorosas.

- Pode-me contar uma, só como exemplo? - João quer saber o que o espera.

- Bem, certo dia coloquei um anúncio no jornal…

- Estou a ver que faz isso há muito tempo – repara João

- Pois, pois. Bem, uma pessoa lá respondeu e eu telefonei-a para marcarmos uma entrevista. Ficou combinado para dali a 3h. A pessoa chegou e lembro-me que tinha vestido umas calças azuis.

João olha para baixo e repara nas calças azuis que tinha vestido. Começa a ficar um pouco apreensivo e os seus olhos procuram a porta por onde entrou há 20 minutos.

- Disse que queria que a pessoa escrevesse a minha biografia. Ela pediu-me um exemplo... - o velho pousa a mão no joelho de João que se sobressalta e corre dali para fora batendo com a porta. Corre sem destino e tira dali uma lição para a vida: não responder a anúncios anónimos.

O babete peludo

Exercício de "Mostrar, não dizer" - mostrar que um homem tem uma farta barba branca, não o dizendo com todas as letras:

Bateram à porta e deparei-me com um homem de boina. Porém, não foi a boina já fora de moda que me feriu os olhos, mas sim o reflexo, nascido do raio de sol vindo da janela, que me encadeou. Abaixo da boina viam-se uns olhos azuis, um nariz proeminente e onde está a boca? Estava escondida como se tivesse uma chucha e o pescoço também, como se estivesse com um babete. Era impossível saber se tinha algum colar. A chucha e o babete eram feitos de pêlo grosso com a cor desgastada a combinar com o cabelo. Não pintava nem o cabelo, nem o babete, ficando evidente a idade do homem. Ele disse que se chamava André e perguntou-me se o correio não tinha entregue uma encomenda para ali. Disse-lhe que, com efeito, mais cedo o correio tinha vindo com uma encomenda para um André e ninguém dali tinha aquele nome. Ele confirmou que era dele, eu entreguei-lha e ele abriu-a ali mesmo. Era um kit para a barba: shampoo, condicionador, óleo finalizador e um pente robusto de madeira. Bem eu tinha reparado que o babete do senhor André estava muito bem cuidado. Antes de ele se ir embora perguntou-me se eu tinha filhos. Eu respondi que não, ao que ele contou que trabalhava em dezembro num centro comercial a fazer de Pai Natal e que se eu tivesse rebentos poderia lá levá-los para o verem.

Imagem ilustrativa. Este senhor não parece ter o relvado branco muito bem cuidado.

Imagem ilustrativa. Este senhor não parece ter o relvado branco muito bem cuidado.

Tomilho vibes

Estava preocupada com a minha conta bancária. O mês está a acabar, mas ainda não recebi o salário. Para além disso, ainda tenho um trabalho para acabar. Saio do autocarro e passados 5 minutos de passo acelerado chego a casa. Começo a fazer o jantar. Vou assar batatas doces cortadas aos cubos. Ao temperá-las penso em usar tomilho, já que nunca o usei para cozinhar. Pego no frasco e cheiro o seu conteúdo.

Este cheiro não me é estranho. E dou por mim a rir-me sozinha. Sinto-me feliz, como se me tivessem acabado de contar uma piada. Porém, ao mesmo tempo, sinto uma ternura. Oh diabo, mas porque é que me sinto assim? Será que não me lembro e andei a sniffar tomilho? Ou a minha mãe já usou isto nos seus cozinhados? Fico neste dilema uns minutos com o tomilho na mão, feita parva. Até que a verdade vem como um raio e com ela um sentimento adicional: tristeza. Dou por mim com os olhos marejados.

Lembro-me então da minha gata. Pantufa chamava-se a bichana. Um dia a minha mãe deixou cair um saco fechado com tomilho e a Pantufa foi a correr, cheirou-o e ficou completamente maluca. Esfregou-se toda, rebolou-se, ficando o seu pêlo inundado com o perfume da erva aromática. Ficou bem temperadinha. Não sei o porquê da fixação com o tomilho. Será que o catnip é arraçado de tomilho? Depois desta memória veio outra que era impossível não a seguir. O momento em que tive de me despedir dela. O último olhar, a última lambidela. Com tudo isto perdi-me nas horas e já não vou poder acabar o trabalho. Mas fiquei com a ideia de adoptar outra gatinha.

Mais do que uma review, uma coisa - Concerto dos Riverside no LAV (03/11/2018) e jantar no El Bulo

Era o tão esperado dia, o dia em que os Riverside vinham (acho) pela 3ª vez (pelo menos eu só os vi 3 vezes, a contar com esta) a Lisboa. Chegámos ao Lisboa Ao Vivo (LAV), cumprimentei dois amigos. Um deles disse-me que eu estava a cheirar a vinho (tinha bebido um copo de vinho branco ao jantar num restaurante ali perto, o El Bulo do Chakall). Trocámos os bilhetes digitais pelos físicos. Eram de um papel grosso, brilhante, com a fotografia dos 3 integrantes da banda impressa. Guardei-o na minha mala (pequena porque não vale a pena levar uma garrafa de água. Ela corre o risco de acabar num caixote do lixo). Tenho uma caixa em casa cheia de bilhetes de concertos. É o que eu mais coleciono. Isso e fitas porta-chave.

Entrámos no LAV, fui ao WC (tenho uma reclamação: os cubículos não têm um gancho cabide), lavei as mãos com um sabonete que sai do dispensador logo espuma e cheira a pastilha elástica. Passados uns 15 minutos a banda de suporte começou a tocar. Mechanism chamam-se eles. Nunca os tinha ouvido e, infelizmente, não me entrou. Talvez tenha de dar uma pesquisadela no Spotify. Durante a hora que lhes foi reservada, dei por mim a pensar na feijoada que a minha mãe ia fazer no dia seguinte. O molho um pouco espesso, mas nem tanto, que dá para molhar com o pão. O chouriço que se pensa ser pastilhoco até se trinca bem. Bom, onde é que eu ia? Ah, Mechanism… Também deitei o olho à mesa de luzes e som. Não percebo como é que os técnicos não se trocam todos com tantos botões. Quer dizer, até percebo… São profissionais. Falando das luzes, elas são sempre agradáveis de se ver, ajudam na grandiosidade do espetáculo, até uma te ir direta às trombas, deixando-te totalmente encadeado.

Depois dos Mechanism, demoraram cerca de 15-30 minutos para aparecerem os gajos que eu queria ouvir. Tocaram algumas músicas do CD novo, Wasteland, mais calmas comparando com os primórdios, mas não menos poderosas. No menu também estiveram músicas mais antigas como a Out of Myself, quase como um grito do Ipiranga, e a Panic Room. O vocalista Mariusz Duda estava um pouco fanhoso, no final já estava até a perder a voz, mas ainda cantou a River Down Below com a ternura que a música pedia. O que não foi ternurento foram os meus pensamentos homicidas sobre as torres que insistem em tapar-me o campo de visão em qualquer concerto. Devo atraí-los. É isso e mosquitos.

Pontos altos da noite:

1º - O jantar no El Bulo. Tudo o que comi estava do lóbulo da orelha. A empada com queijo e ratatouille fez com que as minhas papilas gustativas salivassem por mais. Tinha um azeite com bocados de cebola, tomate e mais não sei o quê, que combinava muito bem e deixou-me com as mãos gordurosas. Não faz mal. Como dizia o outro “No pain, no gain”. Só comi entradas porque os pratos principais faziam a carteira atirar-se do bolso numa tentativa suicida. Por fim, a sobremesa era do diabo de tão boa.

MASHALA DE CHOCOLATE - Bolo de chocolate negro (80%), servido com molho de frutos vermelhos… BALHA-ME DEUS E O CINTO QUE NÃO FECHA!

MASHALA DE CHOCOLATE - Bolo de chocolate negro (80%), servido com molho de frutos vermelhos… BALHA-ME DEUS E O CINTO QUE NÃO FECHA!

2º - Esbarrar com o vocalista e o teclista dos Riverside ao entrarmos no LAV.

3º - As luzes em algumas músicas da banda principal. Numa delas, parecia que estava num nível do Tomb Raider, com lasers vermelhos por todo o lado.

4º - O alívio de saber que não sou só eu que não sei a letra das músicas. Na Panic Room toda a gente cantava “Sweet shelter of mine”, mas depois “I’m rhierhgurwht without”. Não se notava até o Mariusz pedir para cantarmos sozinhos em coro. “Really guys?”.

5º - As palavras da banda para o guitarrista Piotr Grudziński que, mesmo não fisicamente, estava lá entre nós. A salva de palmas foi arrepiante. Ficámos todos de mãos a arder e olhos humedecidos.

6º - Apanhar uma das palhetas do Mariusz Duda.

P.S.: O vocalista dos Mechanism parece um gajo famoso bem-apessoado do Instagram - https://www.instagram.com/lasselom/

Afinal não estava assim tão desinteressada...

P.S.2: Taparem-me o campo de visão com telemóveis é bastante irritante, por outro lado podem-se recordar momentos como este: (está perdoado quem fez o vídeo, até porque não estava à minha frente =))